
Maria da Conceição da Luz havia sido declarada culpada pela Justiça e condenada a uma pena de seis meses na penitenciária Estadual pelo roubo de uma mamadeira num supermercado da cidade.
Durante o cumprimento da pena ela foi estuprada pelo carcereiro José de Oliveira. Quando Maria deu-se conta da gravidez pensou em provocar um aborto ou até mesmo cometer o suicídio. Com o passar dos dias porém sua religiosidade foi neutralizando sua revolta deixando-a por fim totalmente resignada; vez por outra ela surpreendia a si mesma acariciando sua barriga.
Quando Maria deu a luz o menino recebeu o mesmo nome do seu primeiro filho que morrera de subnutrição; Jesus Emanuel era o nome do bebê.
Oito meses se passaram. Maria continua prisioneira e sem advogado para defender seus direitos. Cada dia que passa, Maria fica mais aflita e desesperada. Ela lembra as últimas torturas. Durante um feriado religioso havia acontecido a fuga de um grupo de prisioneiras. Sua melhor amiga e companheira de cela também havia escapado e a polícia não conseguiu mais encontrá-la. Suspeitaram que Maria soubesse do paradeiro da amiga e por ordem do diretor ela foi submetida a muitos suplícios.
Eriberta, responsável pelo pavilhão C, mandou que amarrassem a prisioneira numa cadeira de ferro colocada em frente a uma tela de cinema onde a carrasca rodou cenas de um filme que fez com que a pobre mãe de Jesus desmaiasse por três vezes. As cenas mostradas iam desde penetração de lascas de bambu debaixo das unhas de prisioneiros até dissecação de cadáveres.
Depois das torturas psicológicas vieram os maus tratos físicos. Choques elétricos pelo corpo, espancamentos, etc. Certa vez, Maria foi acordada no meio da noite e conduzida aos porões de tortura. Foi amarrada pelos pés e erguida através de uma roldana. Debaixo havia uma grande cuba de madeira cheia de fezes bichadas na qual foi mergulhada até a cintura.
O pequeno Jesus resistiu milagrosamente dentro do útero de sua mãe Maria. A pele dele ao longo da gestação transformou-se numa espécie de couraça escamosa, muito forte e resistente, diferente de toda e qualquer espécie animal conhecida. Era sua defesa contra aquele mundo insano e animalesco com o qual em breve haveria de se defrontar. De fato, Jesus era um bebê extraordinário, ele conseguia tudo ver e saber através dos sentidos de sua mãe.
O útero de Maria tornou-se espesso, para protegê-la de seu amado rebento que, por sua vez, também ficaria protegido da corja de canalhas que habitava aquele covil nefasto. As mãozinhas do menino Jesus se transformaram em poderosas garras, pontiagudas e afiadas como navalhas.
Maria já não aguentava mais tanto sofrimento e decidiu acabar com tudo, de uma vez por todas. Até então ela havia resistido em lazê-lo por causa do amor que passou a nutrir por seu bebê. Apesar das circunstâncias em que ele foi gerado ela o amou muito, mais do que tudo entre o céu e a Terra. Mas agora, até mesmo em sua decisão de acabar com a própria vida, ela teve para com ele um gesto de amor e renúncia.
Maria se deu conta de que a sanidade física e mental de uma criança depende de uma gravidez tranqüila e serena, sabia portanto que seu bebê já estava há muito tempo condenado. A razão passou então a falar mais alto que a paixão por Jesus. Ela decidiu por bem dar a seu filho e a ela própria o descanso eterno.
Maria planejou para si uma morte rápida, mas também dramática, o mais chocante possível para chamar a atenção de todo o país, com o propósito de tornar menos selvagem aquele sistema carcerário. Sua morte seria também um ato de amor para com todos os demais prisioneiros.
Para cumprir seu plano Maria conseguiu uma função de ajudante de cozinha no pavilhão C. No terceiro dia ela reuniu toda a coragem que encontrou dentro de si para sobrepor uma outra força contrária e misteriosa que também vinha de dentro dela. A mãe de Jesus escolheu uma faca bem longa, pontiaguda e afiada. Caminhando como se fosse um autômato parou em frente a um grande calendário, ela já havia perdido a noção do tempo mas notou que a última cruz com tinta vermelha estava sobre o “25 de dezembro”. Coincidentemente, naquela data os cientistas haviam anunciado a descoberta de uma supernova, a mais brilhante até então avistada nos céus.
Maria introduziu o cabo da faca num buraco estreito na parede, bem ao lado do calendário. De repente seus nervos foram estremecidos pelos gritos histéricos de Eriberta, a toda poderosa do pavilhão C; a carrasca com a voz estridente gritava que Maria estava Iá para trabalhar e não para vadiar. De frente para a faca Maria recuou um pouco, girou o corpo dando meia volta, respirou fundo e foi com toda força para trás. A faca, penetrando pelo dorso, atravessa o coração de Maria tazendo-a estremecer em agonia.
A cozinha transforma-se em olhos arregalados, histeria e confusão. A primeira turma de prisioneiros no refeitório ao lado aproveita para amotinar-se e começa a quebrar tudo que encontra pela frente. Algumas prisioneiras se unem e conseguem começar um incêndio.
Já está anoitecendo, o fogo se alastra deixando o lugar na penumbra e iluminado aqui e ali pelo fogo que avança sem medo. Toda aquela confusão marca o despertar do menino Jesus, e sua hora de nascer, sua missão começará a ser cumprida. Ele não deve esperar mais tempo dentro do útero de sua mãe morta, precisa sair antes que o corpo dela comece a enrijecer.
Suas garras potentes e afiadas serão os instrumentos cirúrgicos de sua própria cesariana. Coisa alguma poderá detê-lo, Jesus se sente forte, poderoso, seu ódio e sentimento de vingança lhe dá ainda mais energia e, por certo, em sua cruzada, não veio trazer paz e sim espada.
Jesus rasga o ventre frio e pálido do cadáver de sua mãe que agora cai ao solo, agitado pelos movimentos vibrantes de seu rebento. Até então o corpo de Maria tinha estado suspenso, sustentado pela faca.
Com o crânio escamoso e forte para fora do ventre de sua mãe Jesus contempla o ambiente cada vez mais conturbado do pavilhão C. Ele sabe como proceder e contra quem deverá agir para vingar sua mãe. Os contrastes entre a escuridão e as labaredas oferece a ele excelente visibilidade e a vantagem estratégica seria sem dúvida daquela criaturinha cinzenta, forte, ágil e misteriosa.
Os dentes do recém-nascido cortam o cordão umbilical num só golpe, como se fossem as presas de uma fera carnívora; com este gesto ele corta o último elo físico entre ele e sua amada e infortunada mãe Maria.
Enquanto isso, Eriberta tenta de todas as maneiras debelar o sinistro... pega pelo braço uma funcionária, que assustada tenta fugir do local, e a esbofeteia. Mais adiante, já pensando maquiavelicamente em receber uma medalha ou condecoração de seus superiores, ela avança sobre um guarda e arranca-lhe da mão um balde cheio de água que joga em cima das chamas; observa a fumaça que dali saiu e dá um sorriso de satisfação, mas antes mesmo de seus lábios voltarem ao normal seu pescoço e dilacerado pelas garras de uma pequena criatura que de tão rápida e violenta se confunde com as sombras inquietas que dançam na noite.
Eriberta não teve tempo de esboçar nem mesmo um gemido, sua cabeça foi quase que totalmente decepada, ficando ligada ao resto do corpo por uns poucos filamentos nervosos.
Nesse meio tempo, José, o carcereiro estuprador, pai de Jesus, estava no alojamento dos funcionários se preparando para fugir, na noite anterior ele havia sonhado com um anjo que lhe avisou que viriam três autoridades carcerárias da capital para puni-lo por todos os estupros que ele havia cometido nas prisioneiras daquela instituição penal.
José ouviu uma gritaria Iá fora e correu até a janela para ver o que estava acontecendo. Viu Iá embaixo funcionários, guardas e prisioneiras correndo de um lado para o outro e em todas as direções. Notou que haviam deixado aberta a tampa do grande caldeirão que continuava fervendo as roupas dos prisioneiros. José voltou às pressas para completar sua mochila; corre no armário para pegar mais alguns objetos de uso pessoal, leva a mão ao trinco, abre a porta e extravasa um tenebroso guincho de dor; seu rosto é dilacerado pelas garras afiadas de seu filho Jesus.
Desatinado e delirando em agonia o estuprador tenta fugir, corre, e logo estatela-se de bruços ao chão. Agonizando, José sente suas costas sendo rasgadas como que por um conjunto de foices aguçadas, ele berra e rola pelo chão contorcendo-se como uma serpente lançada sobre um braseiro. Num ímpeto instintivo de sobrevivência ele reúne suas últimas forças e consegue ficar de pé, tenta correr, mais alguns passos e ele é lançado pela janela num vôo direto e derradeiro, de ponta-cabeça para dentro do grande caldeirão fervente. Antes de retirar-se do local Jesus contempla lá de cima a cena sinistra fixando o olhar por alguns instante naquela criatura abominável que apesar de tudo foi seu pai e que agora já sem vida é cozido em seu próprio sangue.
Um batalhão inteiro da tropa de choque já havia partido da capital, distante 50 km, a caminho do presídio, com a missão de controlar a qualquer custo os motins que já haviam se alastrado por todos os pavilhões. Jesus já tinha exterminado todos os algozes de sua amada mãe Maria, não tinha mais nada a fazer naquele covil de desesperados.
Jesus então retirou-se pelas galerias subterrâneas do presídio indo em direção a capital, chegando Iá, e tendo estado em jejum, ele invade um supermercado e sacia sua fome e sua sede. Dali tendo Jesus partido deslocou-se até a um bueiro no meio da avenida, afastou a pesada tampa redonda de ferro embrenhando-se, através da rede de esgoto, em galerias de minas abandonadas.
Reuniam-se naquele momento as autoridades e conselheiros da capital para tomar as devidas providências contra aquele verdadeiro terremoto que estava fazendo tremer de medo todos os habitantes daquela terra de bárbaros e corruptos. Jesus por certo haveria de sobreviver pois tinha as características de um mutante, e não é com raridade que os mutantes hibernam, sofram transformações e se desenvolvam. Mas no que poderia se transformar Jesus, o amado filho de Maria? Num deus? Líder revolucionário? Cientista?